Reflexões Inquietas

AS DEMOCRACIAS ESTÃO EM CRISE?

O Quarto Estado (1901), de Giuseppe Pellizza (1868/1907) mira no proletariado em greve
O Quarto Estado (1901), de Giuseppe Pellizza (1868/1907) mira no proletariado em greve

AS DEMOCRACIAS ESTÃO EM CRISE?

Esta é uma nota acerca do livro Crises da Democracia, de Adam Przeworski, cientista político polonês, atualmente vinculado ao Departamento de Política da Universidade de Nova Iorque. Editado em 2019, ele teve sua versão em português em 2020.

O livro analisa inúmeros casos de ataque à democracia, que serão vistos nas seções a seguir. Deles, pareceu-lhe claro que “Se o passado ilumina, o futuro depende de as condições que vemos no presente refletirem as do passado”. É preciso respeitar as lições que a História nos traz, mas, ela deve ser vista apenas como um guia a que se deve atentar.

Para mirar nos acontecimentos atuais, sua recomendação é prestar atenção a três pontos: (I) as condições econômicas, particularmente o crescimento e a distribuição da renda; (II) o histórico democrático, isto é, o quanto a democracia está consolidada; e (III) a intensidade das divisões sociais em termos de grau de polarização e hostilidade de diferentes facções políticas.

O tema não é consensual. Há quem considere exagerada a ideia de colapso das democracias, como é o caso do também cientista político Larry Bartels, professor da Universidade Vanderbilt dos Estados Unidos, que aqui será citado por uma entrevista dada acerca do lançamento do livro “Democracy Erodes from the Top”, ainda sem tradução.

Estejam ou não em crise, a verdade é que tem crescido muito o número de países em que se manifestam guinadas para a extrema direita e para tendências autoritárias. Vários desses países eram até pouco tempo atrás vistos como democracias consolidadas. Desconforto, incertezas e medos, certamente existem e estão bastante espalhados por toda parte. Eles se mostram entre regiões geopolíticas e dentro de cada país.

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6 respostas

  1. Li e gostei muito das suas reflexões sobre o livro “Crise da Democracia”. Quando falamos do Brasil, o avanço da extrema direita, tem como aliado a desigualdade
    de acesso aos direitos de cidadania de um regime democrático, para a maior parte da população. Como lutar pela preservação de um regime que desconhecemos? Que nos sujeita a sermos reprimidos em função da cor da pele, da vestimenta que usamos, da opção sexual … onde o acesso a bens e serviços é
    estabelecido pela condição econômica do cidadão….como apontastes no teu texto, a valorização da democracia, passa pela redução destas desigualdades. Caminho difícil, ainda mais se tratando de Brasil, mas indispensável…

    1. Você tem razão. Uma fragilidade da democracia brasileira é que ela não alcança grande parte da população.
      Bela pergunta: “como lutar pela preservação de um regime que desconhecemos”?
      Alguns comentários ao texto do Przeworski fizeram menção ao Larry Bartels, que não acredita que os movimentos da extrema direita possam por em perigo as democracias europeias e dos Estados Unidos.
      A favor do pensamento de Bartels, ontem saiu uma notícia que o governo da direita tradicional portuguesa se aliou à esquerda tradicional para formar maioria parlamentar. Com isso, a extrema direita ficará isolada. Bom!
      Mas, isso não é suficiente. Enquanto não se enterrar bem fundo esse neoliberalismo tacanho, vulgar, de modo a enfrentar as desigualdades de renda das populações, o perigo do autoritarismo continuará a nos assombrar.
      Obrigado. Abraços.

  2. Acho o artigo claro, ao fazer o retrospecto da evolução do progresso técnico, do crescimento da desigualdade, após os 30 anos dourados, mostrar a globalização da indústria mundial de bens e o desenvolvimento da sociedade pós industrial, sustentada nos serviços digitais.
    Ademais, consagra, após 200 anos, a Revolução Digital, bem como a financeirização das economias mais dinâmicas, entendida como voltada para a criação abstrata de riqueza, logo descolada da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF).
    Quanto a isso, relativizo a afirmação, pois o crescimento de inovações financeiras, a liberalização dos movimentos de capitais e crescimento contínuo das economias centrais – mesmo com desigualdades – mudaram o padrão de financiamento e contribuíram para a FBKF, principalmente na China e no Brasil do Agro e das Energias Renováveis.
    A propósito, no Brasil, o baixo crescimento, o progresso técnico, a expressiva oferta de bens chineses, falência do Sistema Educacional e irregular funcionamento do SUS, produziram décadas de “voos da galinha” e percepção de perdas econômicas por faixas das classes pobres e médias. Assim, era de se esperar que a legitimidade da representação política fosse contestada a cada eleição, como comprova a fragmentação partidária, o fim próximo de partidos tradicionais, o enfraquecimento da penetração das mensagens progressistas e o retrocesso das classes empresariais, cada vez mais voltadas para seus interesses particulares, comprovadas pela formação de diversas bancadas no Congresso Nacional – as bancadas do Agro, da Zona Franca, da Bala, da Bola e “Evangélicas”.
    Ao lado disso, há muito, passou o tempo de divulgação de ideias num banquinho da Estação das Barcas, na Praça XV, e Estação do Brás, com um Jornal popular na mão.
    Hoje, a Revolução Digital tem ampla repercussão positiva na comunicação em todo o Planeta, embora não possa evitar, no Brasil, o surgimento de jagunços digitais liderados por um Antônio Conselheiro dos novos tempos.
    E daí? As Democracias Estão em Crise?
    Em vez de responder, pergunto: quando não estiveram?
    O próprio artigo mostra crises terríveis ao longo do tempo, por inúmeros motivos.
    No Brasil, um sem número de diagnósticos apontam causas objetivas para nossos problemas, todos eles desaguando em reflexões pessimistas sobre riscos potenciais para o desenvolvimento político, e não estão errados.
    Todavia, há os “Larry Bartels”.
    Por achar que temos mecanismos claros para a retomada da construção dos contrapesos para o susto em novembro de 2022, proponho: Escola em Tempo Integral, relançamento do SUS, persistência na expansão das Energias Renováveis – H2V como carro chefe -, complemento da malha ferroviária articulada com a Ferrovia Norte-Sul – FIOL e FICO – e Reformas Política, Administrativa e do Judiciário
    Os pessimistas perguntarão, e o dinheiro?
    Registro que o Orçamento 2024 contemplou R$ 168,5 bilhões para o Bolsa Família, R$ 103,4 bilhões para o BPC E R$ 46,9 para o FUNDEB, valores que se confrontados com o previsto para a folha de Pessoal de Ativos e Inativos no funcionalismo federal – R$ 379,2 bilhões – não são desprezíveis e comprovaram que se quiserem acham.
    Acredito, diferentemente de períodos anteriores, ser possível mobilizar, A CURTO PRAZO, capitais privados para setores já em crescimento – por exemplo a eletrificação da frota nacional de veículos (pô, sem tomada) – algo bem pé no chão e melhor do que a chamada “aproximação com os evangélicos”.
    Meu perfil, vê a parte cheia do copo, me faz crer, como Nelson Sargento, que a Democracia “Agoniza Mais Não Morre”.

    1. Caro amigo Carlos Augusto,
      Obrigado por seus comentários.
      Tenho dúvidas quanto à questão da abertura da conta de capital e seus efeitos no financiamento da Formação Bruta de Capital Fixo.
      Acho que essa abertura, do jeito que foi colocada nos organismos internacionais, contribuiu muito para as crises cambiais que vivemos, nós da América Latina e da Ásia, na última década do século passado e na primeira deste século.
      Gostei da forma como Przeworski captou isso no seu contexto de análise: essa abertura foi uma das armas contra o poder dos sindicatos de trabalhadores que lutavam pela recomposição salarial em linha com o aumento da produtividade do trabalho.
      Eu mencionei isso, mas não mostrei o gráfico dele. A partir da ascensão de Thatcher e Reagan, o arrocho salarial das camadas mais frágeis dos trabalhadores foi muito grande, enquanto as camadas superiores tiveram ganhos significativos. Essa abertura externa, para mim, foi usada como forma efetiva de destruição do poder dos trabalhadores.
      Tecnologia e abertura externa foram formas de diminuir a capacidade de reação dos trabalhadores frente à fome dos capitalistas de aumentar sua apropriação do excedente econômico. Esse enfraquecimento laboral mostra a face mais perversa do neoliberalismo no mundo atual, de grande concentração de renda.
      Gostei muito da forma como você expôs o que lhe parece importante para o futuro do Brasil. Educação, saúde, energia limpa são temas que você tem mencionado constantemente em seus comentários juntos aos aposentados do BCB.
      Consequentemente, não me cabe mais do que reafirmar meu convite a que você nos mande outro texto (um já veio e está aqui postado) avançando suas propostas. É muito bom ver que alguns de nossos “velhinhos” estão olhando pra frente!
      Abraçasso.

  3. Gostei muito das suas reflexões, meu amigo, amparadas no “Crise da Democracia”. São desafios que se postam para muitas discussões a serem feitas com esse crescimento “irracional” da extrema-direita. A era Thatcher e Reagan surgiram nos anos 80-90 como solução “liberal” ao intervencionismo, mas agora não se justifica, a não ser alegando “invasões” dos imigrantes, notadamente, muçulmanos, no caso da Europa. E por que Bolsonaro ainda tem dezenas de milhoes de seguidores? Por que o Milei ganhou na Argentina? Temos que continuar discutindo soluções que vá além do que disse Adam Przeworski: ” (I) as condições econômicas, particularmente o crescimento e a distribuição da renda; (II) o histórico democrático, isto é, o quanto a democracia está consolidada; e (III) a intensidade das divisões sociais em termos de grau de polarização e hostilidade de diferentes facções políticas.”

    1. Caro amigo Newton,
      Você tem razão. É preciso continuar a enfrentar o neoliberalismo, que “ainda domina, mas já perdeu a capacidade de nos convencer de que é bom”, no dizer de um pensador brasileiro cujo nome me escapa.
      Infelizmente, imigração, racismo, opções sexuais, feminismo e mesmo ambientalismo continuam a dividir a sociedade humana.
      Preconceitos como que “cristalizados no DNA” de boa parte da humanidade, respondem pela enorme insegurança e temores que envenenam nossa almas.
      Mas, vamos em frente! Um bom epitáfio para os brasileiros poderia ser: Não conseguiu nada ou quase nada, mas não parou de espernear!
      Grande abraço

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