O autor desse texto é economista formado pela Universidade Federal Fluminense, em 1970 e Mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas/RJ, em 1982. Foi economista do Banco Central, onde trabalhou nos Departamento de Operação de Mercado Aberto – DEMAB – e Departamento da Dívida Pública – DEDIP – por 21 anos até sua aposentadoria, bem como Diretor Financeiro da Eletrobrás, Coordenador Geral da Indústria do Conselho Interministerial de Preços – CIP/MF – e Gerente Financeiro do Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND/MF.
O trabalho retoma e aprofunda ideias expressas em 08.07.2024, neste mesmo sítio. Como ele diz na introdução, “as fontes eólicas, fotovoltaicas, hidráulicas e do AGRO (biomassa) e as escalas de produção adquiriram níveis que têm induzido a atração de parceiros internacionais, detentores de volumes de capital expressivos, tecnologias na ponta dos padrões exigidos pelos processos industriais mais modernos e postura estratégica global já bem definidas”.
Nas considerações finais, ele se mostra confiante com relação ao estágio de desenvolvimento das Energias Renováveis no Brasil e sua contribuição para a retomada da reindustrialização brasileira. O país pode vir a ser uma potência energética e, por isso, não lhe cabe desperdiçar potencial retomada de taxas de crescimento vinculadas a modos de produção disruptivos.
Ao final, ele espera que o país dê ênfase “para o aproveitamento das volumosas fontes de energias renováveis aqui disponíveis como vetor para a produção de produtos verdes, inviáveis para países não contemplados com tal possibilidade, atraindo lideranças mundiais na produção de bens de conteúdo tecnológico na fronteira do conhecimento, inserindo o Brasil na realocação da matriz industrial em andamento e sendo menos intenso na exportação de produto tão nobre como o H2V.”
2 respostas
José Luiz disse:
Prezado Carlos Augusto,
Vejo que você acaba de publicar um terceiro texto aqui no Reflexões Inquietas (Disponibilidade de Energias Renováveis, Relocalização Industrial e possível Impacto Regional no Brasil), e eu ainda nem enviei meus comentários sobre o segundo (Energias Renováveis na Reindustrialização). É o que farei na sequência, tentando diminuir um pouco o “atraso” (rsrsrs…).
Em primeiro lugar, parabéns pela disposição em enfrentar essa temática da energia no Brasil, e por fazê-lo com competência e desenvoltura, além de um elevado grau de otimismo (de que, aliás, compartilho).
Concordo com a maioria do que aqui foi dito nos demais comentários.
O seu texto, como disse a Profa. Lenina Pomeranz, versa sobre um “tema atualíssimo” e traz uma “exposição clara e objetiva” acerca da matéria, tendo a sua abordagem no Brasil de hoje se tornado, como ressaltou a Sonia Mayer, fundamental, vez que se trata de um dos principais elementos “do processo de retomada da industrialização”.
Quanto ao comentário do Luiz Afonso Simoens da Silva, de fato o grande nó para o ingresso do Brasil num ciclo longo de desenvolvimento sustentável está na política. Como tive oportunidade de comentar num artigo recentemente publicado neste site (Simoens da Silva, Przeworski e as crises da democracia: comentários e provocações), além do despreparo de grande parte de nossas elites, temos um número absurdo de parlamentares “com pouca ou nenhuma visão ou noção bastante de Estado, de sociedade organizada, de planejamento (para o desenvolvimento, por exemplo), de relações internacionais etc.”.
No que tange à elite econômica, quiçá comece a “reagir” diante do “choque” (de realidade) trazido pelo contato direto e pela concorrência (por mercado e por ganhos) com investidores estrangeiros, públicos e privados, interessados tanto na energia renovável em si, a que você se refere, como nas possibilidades que a partir dela se abrem de produção local associada às frentes de “política industrial” postas pelo atual governo e/ou pelas oportunidades surgidas no mercado em si.
De certa forma, isso ocorreu no período da Industrialização para Substituição de Importações (ISI), nas décadas de 1950 a 1970, com a chegada das então chamadas “multinacionais” e do capital estrangeiro como um todo, que levaram, inclusive, à necessidade de uma regulação estatal que, provida, por exemplo, pelas Leis 4131/62, 4595/64 e 4728/65, refletiu os interesses e os receios de então, consubstanciando o que costumo denominar de “Primeira Fase dos grandes marcos regulatórios” do País.
Tomara que esse novo influxo de investimentos, pautado pela área de energia, faça despertar nessas elites, uma vez mais (como já ocorreu na fase da ISI), aquele “espírito animal” a que gostava de se referir Delfim Netto, que dizia ser o desenvolvimento “um estado de espírito apoiado em certas condições objetivas”.
Faço um pequeno “adendo”, apenas, à sua observação no sentido de que “em outros momentos da industrialização brasileira o acesso a tecnologias de ponta se apresentou como limitador do seu ritmo”, complementada pela citação a João Manoel Cardoso de Mello (dizendo que aspectos de cunho tecnológico, de financiamento e estratégicos “frustraram o desenvolvimento do Setor de Bens de Capital, condicionando o Brasil a ter espaço apenas como primário exportador e produtor de bens de baixo valor agregado”).
A esse respeito, tendo acompanhado a área de importação de tecnologia como analista de contratos e operações internacionais no Banco Central, a minha percepção é a de que houve, também, uma enorme falta de visão (novamente, a questão do despreparo das elites) e desinteresse/leniência de uma grande parcela do empresariado brasileiro em desenvolver tecnologia local a partir das aquisições de know how estrangeiro que, efetivamente, ocorreram em larga escala. Acomodados (aparentemente, por ser mais fácil e “lucrativo”), limitaram-se a comprar a tecnologia pronta e aplicá-la em suas linhas de montagem.
De se notar que o País, mesmo limitado a esse processo simplista de “comprar e aplicar” as tecnologias importadas, chegou a figurar entre os países mais relevantes em termos de industrialização (e tecnologia industrial aplicada), o que, entretanto, não se sustentou, dentre outros motivos (que você bem elencou), por conta da referida postura empresarial.
Vale lembrar, também, as lições de Celso Furtado em seu Pequena Introdução ao Desenvolvimento: enfoque interdisciplinar, com base nas quais pode-se dizer que as elites de então preferiram a estreiteza da modernização conduzida apenas sob o prisma dos padrões de consumo, entendida como “transformação imitativa de segmentos da cultura material”, a qual, disse ele em relação ao processo histórico, “pôde avançar consideravelmente sem interferência maior nas estruturas sociais, o que explica que em muitas partes do mundo a ativação do comércio exterior se haja realizado no quadro das formas pré-existentes de organização da produção, inclusive a escravidão”.
Ou seja, a simples modernização conduzida pela via da implantação de linhas de montagem, focada somente na modernização dos padrões de consumo interno (ou mesmo na exportação de bens intermediários ou finais pautada pelo comércio intragrupo) não significa nem garante desenvolvimento ou qualquer alteração relevante na estrutura social, na distribuição da riqueza/pobreza, e assim diante (disse eu em livro de 2004).
De se esperar que o governo brasileiro, nessa fase extremamente auspiciosa de enorme ampliação da matriz energética renovável e de reindustrialização, esteja atento a isso e a outra observação importante de Celso Furtado: a de que a inovação técnica tende a favorecer, enormemente, a apropriação do produto social pelos que a dominam. Temos, pois, que mirar o desenvolvimento de ciência e tecnologia no País, muito além da (mera) assimilação de técnicas de produção.
Enfim, Carlos Augusto, retomando pontos do comentário do Luiz Afonso, fico contente que o seu artigo tenha mostrado, de forma concisa e objetiva, que o Brasil de fato é, relativamente à produção de energia renovável, um dos países “mais bem aquinhoados” (por sua natureza), daí o enorme interesse que vem despertando no concerto internacional, evidenciado pelos investimentos que ” já estão chegando do exterior”, sobretudo com recursos privados. Aliás, importantes as observações do Luiz Afonso no sentido de que “o futuro passa pela energia” e “ninguém é grande se não tiver capacidade de ter elevado grau de autonomia nessa esfera”, o que exige, por certo pensar estrategicamente, coisa que, aliás, o neoliberalismo (permito-me retomar esse tema) “afastou”, de certa forma, do horizonte dos países emergentes e dos menos desenvolvidos.
Finalizando, reitero que compartilho, plenamente, do seu otimismo em relação ao Brasil. É bem verdade que, para além da “materialidade objetiva”, real e potencial, indispensável às análises de corte econômico, levo em conta alguns outros elementos (ou “variáveis”) que desbordam dos limites da chamada “ciência oficial”, conquanto “referendados”, direta ou indiretamente, por cientistas sociais da estatura de Darcy Ribeiro e Domenico de Masi, por exemplo, e com certo apoio recente em Eduardo Giannetti da Fonseca. Falando resumidamente, uma vez conscientes (nós, brasileiros) da elevada potência da nossa miscigenação racial (como “contemporaneidade dos milênios”) e despidos do absurdo “complexo de vira-lata”, não vai ter pra ninguém (rsrsrs…).
Basta, de um lado, que as elites melhorem um bocadinho (no seu preparo intelectual e na ética em relação à sociedade em que vivem), e, do outro, que a “política” não atrapalhe tanto, engajando-se ambas, juntamente com a comunidade acadêmica, em um projeto nacional (de nação, de país) de longo prazo. Claro que não é pouco, mas também, convenhamos, não é pedir tanto assim (rsrsrs…).
Parabéns!
Carlos Augusto disse:
José Luiz,
É sempre estimulante receber comentários sobre as reflexões de temas que me motivam, aduzindo que ainda ganho de bônus suas observações e a lembrança de autores que nos formaram como brasileiros interessados em nosso futuro.
Na questão política, é fato que nossos congressistas confirmam as observações do “tiririca” de que pode piorar, mas que meu otimismo torce para que possa ser um pequeno aborrecimento em algum ponto de nossa história.
Por oportuno, recorrendo ao desenvolvimento do Agro, lembro que para o surgimento e desenvolvimento de nosso Meio Oeste foi fundamental o “espírito animal” de empresários que se deslocaram para a região, mesmo com presença de razoável acumulação primitiva (grilagem e desmatamento), mas estimulado por forças produtivas que souberam aproveitar a expansão do mercado de commodities, as pesquisas de ponta produzidas pela EMBRAPA e consolidação do Plano Safra como uma política de Estado, ou seja pesquisa e financiamento como elementos transformadores.
Ademais, cabe outro registro. O banqueiro Armínio Fraga lidera um grupo de seus equivalentes em projetos de reflorestamento de monta. Sem frescuras, indica que a possibilidade de obtenção de retorno através da obtenção de créditos de carbono é tão motivadora quanto a contribuição para a descarbonização do planeta e a consequente recomposição do clima, em consonância com os acordos internacionais sobre o tema. A esse esforço se somam iniciativas do BNDES e ambientalistas, que já configuraram um projeto de reflorestamento em todo o Arco do Desmatamento – área que se estende de Rondônia ao Sul do Maranhão, passando pelo norte de Mato Grosso, Sul do Pará e Norte de Tocantins.
Igualmente favorável são as definições de inúmeros Marcos Legais setoriais, mencionados em relação ao primeiro movimento das Substituição de Importação, que têm sido entendidos como bons reguladores do futuro de novas políticas industriais e complementares a elas, a exemplo do Marco Regulador do Saneamento.
Quanto às inovações, acabei de assistir a uma entrevista do CEO da Fundição Tupi, criada em 1938 e player internacional – 70% da receita –, que me sugeriu haver setores em nossa indústria que buscam seu crescimento a partir de produção de inovações tecnológicas adequadas às nossas condições e necessidades. Sita como exemplo a verticalização da empresa, tendo como foco a produção voltada para o aproveitamento de resíduos agrícolas e pecuários na produção de biogás e biometano combustível em enorme área do AGRO – 65 milhões de hectares e superávit acumulado de US$ 148,58 bilhões em 2023.
De novo, inquieto, agradeço ser merecedor dos comentários no Reflexões.